Talvez o mais importante neste projecto seja o desejo de se referir à cidade que existe dentro da cidade. Os lugares interiores da cidade, cuja matriz ancorada na rua, na praça e no quarteirão originou. Há muitos destes lugares em Lisboa. Mais ou menos antigos, mais profundos ou mais abertos ao céu, mas sempre fortemente impenetráveis.
Esta outra cidade, tantas vezes abandonada e insalubre, pode ser resgatada, dando lugar a uma outra rede de lugares, espécie de sobreposição de malhas capaz de constituir uma regeneração no tecido da cidade.
Vem isto a propósito do projecto para as duas casas construídas num interior de quarteirão em Santa Isabel, um lote com cerca de 1000m2, anteriormente ocupado por pavilhões semi-industriais e com acesso capilar a partir de uma pequena loja aberta sobre a rua.
Ditava o programa que se havia de construir duas casas, uma maior destinada à vida quotidiana da família, e outra, de tipologia T2, para arrendamento. Tudo em cerca de 400m2 de construção, a área que foi possível aprovar, substituindo os pavilhões aí existentes.
Do lugar destacava-se o protagonismo do espaço vazio face ao construído; e que a envolvente vertical materializada nas fachadas dos edifícios vizinhos, sugeria uma casa muito horizontal, por contraste.
Deste modo, construímos uma casa com espaços muito regulares e hierarquizados – os vazios – à volta dos quais gravitam os espaços programáticos habitacionais. Um primeiro pátio, mais público, acolhe e distribui entre as duas casas. Dentro de casa caminhamos entre pátios e jardins; uns mais contemplativos, outros maiores e de utilização efectiva, árvores que aqui irão crescer, projectando a escala à razão do tempo.
De forma quase obsessiva, a casa constrói-se exclusivamente em betão armado aparente. Limites periféricos serão recobertos pelo verde trepante (elemento natural cambiante) enquanto as restantes paredes e cobertura deixam-se ficar assim, simultaneamente poderosas e delicadas para resistir à pressão do entorno.
Através dos lugares regista-se uma ilusão no confronto positivo/negativo, construção encerrada e vazio dirigindo a estruturação do espaço. Entre estar dentro e estar fora ficam as janelas; modulares em aço, de menor largura onde a filtração é desejada, mais amplas para servir uma amplitude generosa.
Quem lá for há-de entrar por uma porta amarela, momento marcado e marcante este de chegar a casa.
Projecto
2003-2008